
Redação | Mídia Web Rádio
Publicado em 30/04/2025 - 17h31
Quem olha para os tempos atuais pode até não acreditar, mas houve uma época em que o Dia do Trabalhador era sinônimo de grandes multidões, shows milionários e ampla cobertura da mídia tradicional. Um bom exemplo é o 1º de maio de 2013, quando a então ascendente Anitta se apresentou no evento da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Vale do Anhangabaú, diante de cerca de 50 mil pessoas.
Na mesma data, e também na capital paulista, Gusttavo Lima agitava o público da festa da Força Sindical — com patrocínio visível da Hyundai no palco, ilustrando o peso financeiro que essas celebrações já tiveram.
Dez anos depois, o cenário é completamente diferente. Os grandes nomes da música deram lugar a atrações mais modestas, o número de participantes despencou e, neste ano, nem mesmo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva marcará presença, ao contrário do que aconteceu em 2024.
O que explica o esvaziamento do Dia do Trabalhador?
A queda vertiginosa da arrecadação sindical, especialmente após o fim do Imposto Sindical em 2017, é um dos fatores determinantes. Essa mudança legal reduziu drasticamente a capacidade financeira das centrais — e, por consequência, a estrutura dos eventos.
Lula, que esteve presente na edição do ano passado, subiu ao palco diante de um público estimado em apenas 1.635 pessoas no estacionamento da Arena Corinthians, na zona leste de São Paulo. O cálculo foi feito a partir de imagens aéreas pelo Monitor do Debate Político da USP.
“O ato está mal convocado. Nós não fizemos o esforço necessário para levar a quantidade de gente que era preciso levar”, disse Lula, dirigindo-se a um dos responsáveis sindicais pela organização.
A principal atração musical naquele ano foi a cantora Paula Lima — reflexo de um orçamento bem mais limitado do que em edições passadas. O evento também foi usado como palanque para Guilherme Boulos (PSOL), pré-candidato à prefeitura da capital paulista.
Queda de receita e perda de relevância
Os números falam por si. De acordo com o Ministério do Trabalho, a contribuição sindical da CUT despencou de R$ 62,2 milhões em 2017 para apenas R$ 276,6 mil em 2022. Essa realidade comprometeu a contratação de artistas de peso e afastou patrocinadores do setor privado. Em 2024, a única apoiadora relevante foi a estatal Petrobras.
Se em 2014 o evento da CUT contou com nomes como Michel Teló e Paula Fernandes, hoje a situação é bem diferente. Neste ano, o palco será montado na Praça Campos de Bagatelle, na zona norte da capital, com a dupla Fernando e Sorocaba como atração de destaque.
A união entre CUT e Força Sindical, que antes organizavam eventos separados, tornou-se necessária desde 2019 como forma de contenção de gastos. Durante os anos de pandemia (2020 e 2021), os atos foram realizados de forma virtual, e mesmo com o retorno presencial em 2022, a grandiosidade nunca mais foi a mesma. Daniela Mercury, em 2022, e Zé Geraldo, MC Sofia, Edi Rock e Dexter, em 2023, refletem essa nova realidade.
A transformação do ativismo sindical
Mais do que uma questão financeira, o esvaziamento do 1º de Maio também está ligado a mudanças socioculturais. As redes sociais passaram a ser os principais canais de mobilização popular, diminuindo o papel histórico dos sindicatos. A queda de Dilma Rousseff, por exemplo, mobilizou milhões sem o envolvimento direto de entidades como a CUT ou a UNE — algo impensável em décadas anteriores.
“Os sindicatos, de fato, perderam a importância que outrora exerceram como organizadores das demandas da classe trabalhadora. Esse fato não é recente e alcança também os partidos políticos", afirma o sociólogo Rogério Baptistini, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Outro dado alarmante vem do IBGE: em 2012, 16,1% dos trabalhadores brasileiros eram sindicalizados. Em 2023, o número caiu para 8,4%. Mesmo com o aumento populacional, o total de sindicalizados recuou de 14,4 milhões para 8,4 milhões de pessoas. No setor industrial, o índice caiu de 21,3% para 10,3% no mesmo período.
A coordenadora de Pesquisas por Amostra de Domicílios do IBGE, Adriana Beringuy, atribui parte dessa queda à desindustrialização e ao crescimento de formas de trabalho mais flexíveis e informais:
“Nos últimos anos, há cada vez mais trabalhadores inseridos na ocupação de forma independente, seja na informalidade ou até mesmo por meio de contratos flexíveis, intensificados pela reforma trabalhista de 2017."
Para Baptistini, a fragmentação da pauta política contribuiu ainda mais para a desmobilização:
"Com a instabilidade como marca no mundo do trabalho, a política de esquerda parece ter se deslocado do tema da classe para os temas chamados de identitários, como gênero e raça... O trabalho, portanto, perde a centralidade na política. E os sindicatos não têm a quem falar.”
“O temor de perda de status social, de ver o futuro dos filhos ameaçado, a aposentadoria em risco, lança as pessoas numa jornada de ressentimentos e descrença para com a política tradicional. É o que assistimos no Brasil e no mundo”, conclui o professor.
Enquanto isso, o Dia do Trabalhador segue mudando de face — e de público.
Reportagem: Mídia Web Rádio | www.radiomidiaweb.com.br